De um comentário sobre o barulho das planatas durante a noite.
Sim as plantas falam, falam à noite para que não as psssamos ouvir.
À noite se deixarmos as janelas abertas e fecharmos os olhos, escutaremos facilmente o barulho das árvores de nossos quintais ou jardins.
Sim, só no silêncio da noite, escutamos o ruído das árvores, o barulho surdo de seus frutos a cair, o movimento do vento, os animais a cantar uma sinfonia que, durante o dia mergulhados no barulho incessante e na nossa rotina frenética, não somos capazes de ouvir.
Ouço o barulho dos aviões,decolam e aterram o dia todo.
Inicia às 4h da manhã, quando o silêncio impera e pode ser ouvido em todo seu tamanho e imponência. Mesmo não morando perto do aeroporto, às vezes tenho a impressão de que eles estão a planar bem por cima de nós de tal modo que podemos acenar e os passageiros veêm-nose acenam-nos de volta.
É, no mínimo, assustador, mas com o tempo lá nos fomos habituando.
Assustador como os pensamentos que nos assaltam antes de dormir. Aqueles que tentamos ignorar durante o dia com todos os nossos afazeres, aqueles que são tão apavoradores que não podem ser verbalizados, aqueles pensamentos que são a materialização de nossos maiores medos e nossas tristezas mais profundas.
Caetano Veloso canta sobre o silêncio da noite.
O silêncio da noite é mesmo cortante.
Agressivo, porém verdadeiro.
Ele remove o véu que é usado para encobrir aquilo que não queremos ouvir e deixa gritar alguns detalhes que, durante o dia, são só detalhes.
O silêncio da noite é o embaixador das nossas intensões e intensidades, arrependimentos dolorosos e conflitos mais cansativos.
Paradoxalmente, são também um aviso sobre os detalhes mais simples que nos passam despercebidos. Detalhes estes que, por mais irrelevantes, merecem não passar ao lado.
Pois é, esse tal silêncio solitário da noite pode ser incómodo, chato e até assustador, mas tem muito a revelar e a ensinar sobre nós mesmos e o mundo, por isso é tão necessário.
Neste momento reina cá em casa um silêncio ensurdecedor, a miúda não está, foi fazer o Caminho de Santiago com os escuteiros.
Já não tenho o som da sua respiração quando dorme.
Já não temos os ralhetes com o gato quando este lhe espeta uma unha.
Já não temos as quezilias à mesa quando os avós decidem contrariá-la.
Já não temos os disparates quando fala de coisas que não entende mas acha que sim.
Neste momento o pior silêncio é o do dia.
O da noite passa rápido.
O dia custa a passar.
Sem dúvida isto é um teste para quando ela bater asas.
Aquilo que aqui foi dito sobre os filhos serem do mundo, prevalece.
Aquilo que foi dito sobre os filhos ganharem asas e partirem prevalece.
Mas neste momento deixem-me lamber as minhas feridas, sem que ela se aperceba.
Quando partiu eu estava doente.
Liga-me todos os dias, ao contrário de outros acampamentos e viagens.
Mas este silêncio é ensurdecedor, acreditem.
Com ou sem saídas ela faz-me falta.
Faltam as mensagens quando saio, a dizer a hora a que devo chegar.
Faltam as sucessivas mensagens a contar tudo o que está a fazer.
Estou mal habituada, mas provavelmente será por estar mais sensível devido a esta gripe.
Quarta Feira já passa e com toda a certeza já me quero ver livre dela outra vez
Há em mim uma passividade, uma lentidão, e um olhar ainda mais humano para com as pessoas e as situações.
Algo que chamo de ‘nobreza de alma’.
Algo que já definiram como ingenuidade mas não é assim tão simples.
Ainda existe e sempre tem existido em mim uma velha crença na vida, no bom lado das pessoas, nas boas intenções das falas e atitudes…
Não, isso não é muito bom.
Nada bom
Quantas vezes nesta vida eu fui educada, serena e distraída em situações que precisavam que meu sangue fervesse no momento e de uma boa imposição de limites, de uma fala mais firme e forte e de atitudes de autodefesa imediatas.
E quantas vezes demorou para a minha ficha cair…. quer dizer, às vezes caía cinco minutos depois e eu via algo de absurdo a acontecer, mas por algum motivo, talvez por um excesso de empatia, por mais que eu estivesse a ser passada para trás, num primeiro momento eu acolhia o que de humano tinha a outra pessoa, eu tentava colocar-me no lugar dela e esquecia-me de me lembrar das minhas dores e feridas, do lado que me tocava.
O meu lado.
E lá fui aprendendo a cuidar-me sozinha em casa, com meus autodiálogos, com meus livros, amigos,pais, flha e escrita.
Mas tanta coisa eu queria ter dito e não disse.
Hoje lembro-me de algumas situações cruciais e no meu silêncio observador, na minha caridade para o absurdo do que se passava.
Quantas vezes a outra pessoa pensou que eu era nobre o bastante, altiva o bastante, segura e madura o bastante pois podia sair calma, evoluída e tranquila de um facto que no fundo me afetou muito.
Talvez porque as coisas em mim têm que cozinhar lentamente, e absorver camadas mais profundas.
Talvez porque eu tenha sido educada desde pequena a agradar, a deixar ser.
Ou talvez eu tenha desenvolvido um trauma em relação a discussões e conflitos e por isso eu seja uma grande pregadora da serenidade.
Porque de facto eu não gosto que o meu sangue ferva, que o meu dia se encha de adrenalina e que a raiva domine o meu corpo.
Mas é aquela velha história, paz sem voz, paz sem vez, não é paz, é medo.
Serenar na frente de absurdos, dos absurdos inflingidos, é uma atitude de desamor de nós mesmos.
E ser empático com pessoas que estão a ser simplesmente idiotas connosco, é uma submissão e um fortalecimento da estupidez do outro.
Eu não quero mais esta ‘nobreza’.
Não quero que se aproveitem dela.
Não quero esta serenidade que depois me tira o sono e me põe a digerir partes da história que não eram minhas, vestindo a roupa de outras almas.
Eu não quero entendender profundamente o humano e o outro lado, sendo que o meu, quem realmente se importa com ele?
Mais do que nunca é preciso estar atento e forte.
É preciso clareza e percepção, é preciso acção e fala.
É preciso o humano junto com a revolta e a serenidade junto com a não aceitação.
Que eu não seja cegamente explosiva, inchada de emoções à flor da pele.
Mas que eu também não seja submissa e passiva.
Que a alegria e a força feminina por vezes inflamem esta minha velha e ultrapassada nobreza.
E a minha mãe diz:
-Tens que mudar senão dificilmente conseguirás "segurar" um emprego.
E o meu pai diz:
-És como eu , não tens papas na lingua
E eu digo:
-Não gosto de engolir sapos.
E a minha mãe revira os olhos.
E o meu pai ri.
E eu penso que tenho mesmo que mudar, começar a trabalhar este feitio ou defeito.
Na minha cabeça adolescente (que durou até aos trinta e cinco anos..haha), eu teria primeiro, um trabalho certo, depois conheceria o amor da minha vida e depois teria filhos, tudo nesta ordem.
Não acreditava que uma mudança na posição dos acontecimentos me poderia fazer feliz, porque não era meu ideal de vida.
Mas a vida dá cada volta.
O emprego certo deixou de o ser, quem pensa que tem um emprego certo tire daí o sentido.
Conheci o amor, o amor verdadeiro duas vezes e tal como o emprego não é certo.
Ter filhos, estéril, fiquei estéril.
Mas acontece que hoje sou uma mãe solteira, estou longe de ter um emprego, e casamento é algo que nem me passa pela minha cabeça.
Apesar de parecer estranho, eu sou bem feliz.
TODOS OS DIAS.
Sinto-me em paz com minha vida e com quem eu sou.
Sinto-me amada e amo as pessoas.
Valorizo sentimentos, não coisas.
Consigo todos os dias me sentir-me como na infância, pois tenho uma filha que respira esta casa e me ensina todos os dias.
Este é o meu cenário, mas não estou dizer que as coisas são fáceis.
Na verdade, as coisas são bem difíceis e vou explicar porquê.
Mães solteiras enfrentam o preconceito, porque ousaram ter filhos, sem um casamento que justificasse a existência da criança.
Neste caso, toda a gente coloca as mulheres que estão nesta posição como se fossem todas iguais, e aí, lá vem o rótulo!
Nem vale a pena repetir os impropérios que a sociedade machista ainda impõe ás mães que criam filhos sozinhas.
Mas vale aceitar as inúmeras traições de um casamento de faz de conta, ou então engolir o choro por ser maltratada todos os dias por um homem que não nos sabe dar valor, pelo menos estamos casadas, certo?
Não é fácil ser mãe solteira, porque as pessoas te reduzem um pouco todos os dias, julgam quem tu és, mesmo sem ter trocado uma mísera frase contigo.
Além disso, tratam-te como uma coitadinha abandonada ou como uma espertalhona qualquer.
Há quem não entenda que aquela criança pode ter sido fruto de um amor de anos, de um desejo intenso, tão intenso que fazia ferida, qu lambia a ferida, que a mãe se doa completamente todos os dias, se parte em mil, deixa até de existir como indivíduo para que o filho cresça com dignidade e seja uma boa pessoa.
É difícil ser mãe solteira, porque a mulher também precisa de trabalhar, pagar as contas, tratar das tarefas domésticas, escovar os dentes, dormir, sair, dançar, namorar, beijar, abraçar, ser abraçada.
É difícil porque falta espaço na agenda do tempo para tantas coisas juntas que precisam ser feitas para que a criança cresça saudável, cuidada, feliz, para que os dentes não acumulem tártaro e cáries por falta de cuidado.
É difícil ser mãe solteira, porque a mulher não consegue parar um minuto para curtir um momento só dela, porque as necessidades da criança sempre vêm em primeiro lugar, obviamente.
Ter tempo também para assistir a uma série ou ler o capítulo de um livro, é necessário planear e virar a agenda de de pernas para o ar, caso contrário, esquecemos mais um dia que não deu para fazer algo por nós mesmas.
É difícil ser mãe solteira, porque tem sempre aquela presença ausência da figura paterna na vida da criança.
A mulher precisa saber que é o mar em que o filho vai desaguar as lágrimas por não ter um pai.
É difícil ser mãe solteira, porque há um dia em que parece que não vamos não vai dar conta do recado, que vamos desconjuntar, desequilibrar, desfalecer diante de tanta pressão para que ela sejamos perfeitas em tudo que fazemos.
É difícil também não ter com quem compartilhar as maravilhas que vemos todos dia pelos olhos de uma criança, ou ter alguém para deitar a cabeça no ombro e dizer “estou cansada, posso dormir um pouquinho tomas conta dela?”.
É difícil passar a vida toda nesta tarefa de mãe 24h, sem ouvir um elogio, uma palavra de incentivo a respeito do bom trabalho que fazes.
Tantas as reclamações!
Que vida triste, certo?
Errado.
A nossa vida só é triste se a gente assim a quiser ver.
Quem disse que felicidade tem um livro de instruções?
Pois se tiver estou a escrever um alternativo.
Chama-se “Minha vida é muito boa e eu gosto muito dela”.
Eu falo todas estas coisas porque uma vez ou outra, ouço por aí comentários sobre a minha classe, a classe das mães solteiras e fico sempre indignada com os absurdos que ouço.
Por isso, vocês que me lêem, entendam: este não é um texto cheio de reclamações ou que tem o objetivo implícito de fazer todas as mães solteira de vítimas.
O que almejo é o contrário,mostrar que a vida pode ser bastante difícil se a encarararmos dessa forma.
Pensam que fico matutando sobre estas “dificuldades” no meu dia a dia?
Claro que não.
Prefiro aproveitar o tempo que a vida me dá para ser bem feliz com quem sou e com as pessoas que amo.
E desejo a todas aquelas que estão na mesma situação essa mesma clareza de que não existe fórmula mágica no nosso modo de viver, o que a gente tem que aprender é a olhar com mais amor.