EU TENHO UMA DOENÇA CONTAGIOSA!!!!!!!!!!!!!!
Eu tenho uma doença contagiosa.
Sou uma desempregada!!!!!!!!!!!!!!!
Entrei para as estatisticas!!!!!!!
O desemprego não escolhe género, não escolhe nível ou escala social e pode atingir todos os que vivem e dependem do emprego e do trabalho para sobreviver.
Apesar de ser uma realidade, ou melhor, uma dura realidade, o que vemos é uma sociedade cada vez mais hostil e preconceituosa perante o desempregado.
Eu tenho uma doença contagiosa: sou um desempregada.
É uma frase que expressa em poucas palavras o sofrimento, a marginalização, o sentimento de impotência e por que não dizer a culpa que muitos desempregados sentem por se encontrarem nessa situação.
A analogia entre desemprego e doença contagiosa é muito comum nos relatos de profissionais desempregados.
Não devemos olhar tal afirmação de maneira simplista, pois estaríamos a dizer: o desempregado é um doente.
E isso não é verdade. Dizer que a expressão do que sentem os desempregados sobre sua condição podem ser compreendidas quando nomeiam esse sentimento como uma doença contagiosa, é diferente de dizer que desemprego é uma doença contagiosa.
A reflexão que devemos fazer é: porque é que o desempregado se sente um doente?
E porquê a sensação de ser algo contagioso?
Sem dúvida, o desemprego provoca uma mudança na forma como os contatos sociais são estabelecidos.
Antes empregado, o profissional tinha um papel reconhecido e valorizado, agora, com o desemprego, vê sua contribuição social ser questionada.
É no mundo do trabalho que somos nomeados, ganhamos um lugar de representação de sucesso, de reconhecimento social.
A nossa sociedade tenta sustentar a qualquer custo a imagem ideal e são as organizações as maiores produtoras dessa imagem, além de disseminarem o discurso de excelência e perfeição.
Não é pouco comum vermos os tipos ideais estampados em anúncios de revista, principalmente aquelas que são direcionadas para o público que trabalha na organização.
Crescemos a ouvir dizer que o trabalho enobrece o homem, que só não trabalha quem não quer, evidenciando uma valorização e uma cobrança social, que só reconhecerá quem trabalha e um tipo específico de trabalhador, já que não é qualquer trabalho que é valorizado e reconhecido socialmente.
Nitidamente o emprego institui e define um papel social.
Ter um emprego faz com que o sujeito se sinta parte de um projeto coletivo, que quando perdido põe em cheque sua contribuição social e seu lugar na sociedade.
Por isso o desempregado é colocado numa categoria à margem à sociedade.
Ele é visto como um parasita.
Quando disse isto a uma grande amiga ela ralhou comigo, ficou furiosa
Julgado pela sua situação, terá que lidar com a hostilidade e a rejeição.
Quantas vezes não julgamos alguém por estar desempregado?
Quantas vezes não dissemos: fulano de tal é um malandro, ele não quer trabalhar! sem nos darmos ao trabalho de perguntar o que o colocou nessa situação?
O desempregado vive diariamente o preconceito da sua condição e tem que lidar com situações constrangedoras, principalmente aquelas que estão relacionadas com a procura de um novo trabalho.
A maioria dos profissionais que está desempregado reclama o tratamento que recebe nas entrevistas de emprego, muitas vezes relatando histórias de humilhações, desrespeito e preconceito.
Como lidar com situações em que a empresa determina que não contrata desempregados?
Como lidar com as situações em que entrevistadores utilizam-se da sua condição de poder para colocar o desempregado numa situação de pedinte?
E principalmente como lidar com as rejeições dos colegas e amigos que não atendem mais as nossas chamadas?
O desemprego é um fantasma que ronda as relações.
As pessoas fogem do desempregado, é como se lhe dissessem : fica longe, tu me fazes-me lembrar a desgraça e a possibilidade que ocorra comigo o que ocorreu contigo.
Fica longe porque isso pode ser contagioso e eu não sei lidar com esses sentimentos.
Ninguém quer chegar perto de um desempregado, como se fosse uma doença contagiosa, e qualquer contato pode ser perigoso.
O desempregado representa ao outro a concretização de um medo.
Assim, é sentido como uma doença, porque esse é o sentimento do que está à margem; é contagioso, porque ninguém quer estar por perto.
Doente pela imagem que têm de si, contagioso porque dele todos fogem.
Esse tipo de sentimento revela a imagem negativa que possui o desempregado na nossa sociedade.
O que podemos fazer para mudar isso?
Nada, eu não tenho uma doença.
Continuo a ser a mesma pessoa.
Como é óbvio tudo isto se reflectiu em mim.
A Paula, a gaja porreira, que divertia tudo e todos, a tipa fixe, deixou de existir.
Pessoas há no meu antigo emprego que choraram baba e ranho quando vim embora, agora já nem se lembram que existo.
Porquê?
Provavelmente dizem:
-Oh pá ela é que devia ligar, não trabalha.
Eu digo:
-Oh pá eles estão a trabalhar não vou de todo incomodar,.
Ou então:
-Oh pá não ligo pois vão pensar que quero saber o que lá se passa.
Errado.
Um telefonema é só para dizer um olá,tudo bem, como estás?
Passamos de bestiais a bestas num curto espaço de tempo.
Mas ninguém, mesmo ninguém se lembra, agora foi ela amanhã posso ser eu.
Muitos acham que já deviamos estar a trabalhar.
Muitos acham que não arrajamos emprego porque não queremos.
Muitos acham que com esta idade já não vamos arranjar nada.
Muitos acham que estamos bem, estamos a viver ás custas deles.
Muitos dizem que por estarmos desempregados não lhes podemos dizer que podiam chegar mais cedo para uma caminhada à noite.
Muitos dizem:
-Tu podes estar pronta às 9h porque não trabalhas, mas eu trabalho e ainda tenho que fazer o jantar.
Correcto, nada contra mas não há necessidade de nos dizerem isso na cara, pensem para eles, pois custa ouvir estas coisas.
Como é óbvio morar com os pais ajuda imenso nesse sentido, mas quando trabalhava era o mesmo, o que é que mudou?
Não mandem essas bocas aos vossos amigos desempregados.
Respeitem-nos.
Continuem a gostar deles como se estivessem a trabalhar.
Nada mudou.
Só o nossos estatuto.
Nós continuamos a ser os mesmos amigos de sempre.
Além disso estar em casa também dá trabalho.
Em casa há muito para fazer.
Não passo a vida na praia a apanhar banhos de sol.
Não ando a gastar o dinheiro que eu sei que sai dos vossos descontos.
Todos os meses mando 3 cv é obrigatório.
Em Julho mandei 7.
E se eu não quiser estar enfiada num escritório durante mais 23 anos?
E se eu quiser fazer outra coisa qualquer por minha conta e risco?
Tenho esse direito não tenho?
Mas não conto a ninguém, acredito no mau agouro.
Os meus planos ficam em segredo.
Aqui está a mudança.
Guardar para nós aquilo que pretendemos fazer da nossa vida.
Se me quiserem julgar.
Estão à vontade.
Já ganhei "calo".