1. Mesmo que seja pouco chefe, o pai é o melhor amigo das crianças. É de fácil utilização, pode estar sempre á mão (em última instância, à distância de um clique), e tem um período de garantia ilimitado.
2. O pai é um brinquedo fácil de manusear, de acordo com as regras da CEE... E é recomendado para todas as idades.
3. O pai não deve ser guardado em local frio, hermeticamente fechado, e fora do alcance das crianças.
4. O pai pode ser desmanchado, por todas as crianças, porque a sua utilização é segura e a sua “montagem” é fácil... Mesmo sem manual de instruções.
5. O pai é ergonómico e deve ser acondicionado, sem cuidado, nos braços das crianças. Quanto mais intimidante o pai pareça mais rótulos de frágil deve ter.
6. O pai, quando faz birras, é um adversário temível e, às vezes, para não perder, torna-se o dono da bola. Nesses momentos, o pai não deve senão ser guardado em posição horizontal, porque fica mais ao alcance... dos ímpetos paternais das crianças.
7. O pai que não chora, que não “perde a cabeça”, ou que não brinca pode ter “defeito de fabrico”... ou requer instruções quanto à sua melhor “utilização”.
8. O pai ‘rabugento’ é uma criança que nunca pôde dizer aos seus pais: «quando for grande faço tudo aquilo que quiser». De preferência, deve agitar-se... antes de se “usar”.
9. O pai que, quando joga, se deixa perder, não é pai, mas batoteiro.Deve ficar três vezes sem jogar.
10. Quando a mãe, em vez de ralhar, diz a uma criança: «vou dizer ao teu pai!», à escala dos pesos e das medidas das crianças, equivale a duas “tareias” (a ameaça temível da do pai, e a da consciência dolorosa de, em vez da mãe, ter uma irmã mais velha que quando está aflita chama pelo encarregado da educação).
11. O pai que se esforça por ser bom pai é esforçado... mas não é pai.
12. O pai que acha que as crianças só gritam (quando brincam) foi uma criança de controlo remoto. Deve ser reciclado no seu azedume e reconvertido na criança que não foi.
13. O pai sempre certinho está, geralmente, dentro do prazo de validade, mas requer alguns cuidados dos seus utilizadores, nomeadamente quanto ao perigo de explosão.
14. A infinita paciência das crianças é um ‘dadbag’ com que o pai, em geral, vem equipado. Em caso de colisão frontal é de extrema utilidade, e tem uma garantia anti-corrosiva que, provavelmente, pode ir até à adolescência.
15. O pai em excelente estado de conservação é pai à prova de choque e, ultrapassando todas as garantias, é pai para sempre (o que, em verdade, talvez seja a mais inestimável qualidade da sua utilização).
16.O pai é aquele que nos esconde atrás das costas para fugir à fúria da mãe
17. Segundo a mãe o pai é que nos estragou
18.O pai trabalha a mãe não, mas era o pai que nos levava às consultas.
19.Depois das consultas o pai dava-nos sempre um brinquedo.
20.O pai não batia, arregalava os olhos e metia tanto medo!!!
21.O pai agora sofre com as dores do trabalho de tantos anos
22.Não podemos partilhar as dores com o pai? Dividir, metade metade, não podemos?
23.Não é justo o pai sofrer
24. O pai não devia envelhecer
25. O pai não devia passar o prazo de validade
26.O pai não devia ter prazo de validade
27.Não era com o pai que desabafava-mos quando sofriamos, mas o pai sabia
28.O sinal da cruz começa, "Em nome do pai"
29.O pai pergunta sempre, precisas de ir a algum lado?
30.O bom pai embora deixe tudo ao encargo da mãe, está sempre atento.
E COM ESTE TEXTO DESEJO-VOS UMA ÓTIMA PÁSCOA E VEMO-NOS NA SEGUNDA.
Os avós fazem mal ao crescimento das crianças. Porque são o melhor piquete de greve contra a sopa. Frases como: "Vá lá, deixa que o menino não coma a sopa!... Só hoje!" - contrariando o ar zangado que tinham, noutros tempos, como pais - são bem a prova que eles acreditam que as crianças só por motivos ponderosos é que se impedem de saborear os caldos e os cremes... de que tanto gostam. E atestam que há um conluio entre os avós e os netos que, quando uns fazem caretas e capricham nas "fitas", os outros justificam que, embora as crianças compreendam que "a sopa faz bem..." elas reagem assim - contra a sua vontade!... - porque há dias em que o stress das aulas casa melhor com a... sobremesa.
Os avós fazem mal ao crescimento das crianças. Porque, por mais que repitam que as crianças devem comer de tudo, sempre que as têm ao seu cuidado perdem horas a fazer empadões e coisas caprichosas parecidas com essa. Quando as crianças almoçam com eles, o peixe parece ter feito greve. Por mais apetitoso que seja o jantar, se for preciso, as crianças acabam a comer ovos mexidos ou salsichas. E, à sobremesa, entre o pão de ló e a torta de maçã, de forma serena e "desinteressada", acabam a recomendar aos pais - unicamente porque as crianças estão muito cansadas, "coitadinhas" - que o melhor seria que elas ficassem a dormir em casa dos avós. "Só nesta noite!..."
Os avós fazem mal ao crescimento das crianças. Porque são uns despesistas! Se as crianças querem um ovo de chocolate vão, quase a correr, e compram. Quando as crianças param junto a uma máquina reluzente, num impulso, tiram mais uma bola, de plástico, mesmo que a surpresa, que sai lá de dentro, ganhe, aos olhos das crianças, uns "longuíssimos" 20 segundos de glamour... E quando as crianças, ao saírem da escola, dizem: "tenho fome!" essa é a senha para que, mesmo que os netos tenham acabado de lanchar, os avós sejam levados a concluir que só um bollycao, delicadamente, as irá conseguir aconchegar. Se as crianças, por vezes, chegam aos pais com manhas e com manias a culpa é dos avós. Afinal, quem é que, se for preciso, faz as refeições com a televisão a fazer de especiaria? Ou vai para a janela enquanto que, no vai-vem de mais uma colher de sopa, repete e repete e repete: "Aqui vai uma barquinha carregadinha de..."?
Os avós fazem mal ao crescimento das crianças. Porque têm toneladas de paciência e quase nunca se esganiçam quando ralham aos seus netos. Porque lhes permitem que, não só vejam os desenhos animados (quase sempre) na sua companhia como - muito pior! - deixam que eles coloquem a cabeça no seu colo e fiquem assim, horas a fio. E sempre que as crianças trazem, da escola, trabalhos para casa - em vez do ar implacável que punham, como pais - aveludam de tal forma a ajuda que lhes dão que – como que por magia - sempre que os netos os fazem ao pé de si tudo se torna rápido, fácil e sem um erro, que seja...
Os avósfazem mal ao crescimento das crianças. Porque as adormecem e lhes contam histórias. Porque dormem com elas as vezes que forem precisas. E as acordam, cheios de doçura, sem o toque a despertar de todos os dias (através do "São horas!", com que os pais lhes conseguem estragar a paciência antes, ainda, de as acordarem). Como ainda lhes levam leite, cereais e "pãozinho" à cama, enquanto passam com a mão nos caracóis dos netos e, indiferentes à concorrência desleal que fazem aos pais, contam as mesmas histórias de todos os dias.
Os avós fazem mal ao crescimento das crianças. Porque acarinham as asneiras, fazem de força de bloqueio às regras dos pais e, sem que abram a boca, lhes sussurram, com meia dúzia de gestos: "Filho, eu encolhi os castigos!". E porque fazem de governo-sombra, sempre que os pais estão num dia mau e, à boleia de mais um "a partir de hoje!...", tentam pôr regras onde, antes, havia, sobretudo, uma democracia feita de "algodão doce".
Os avós fazem mal ao crescimento das crianças. Porque sorriem, sempre que as vão buscar à escola. E sorriem, quando elas, com o embaraço dum batoteiro, dizem que não têm trabalhos de casa. E sorriem quando repetem lengalengas. E sorriem quando contam histórias, e quando fazem truques e magias. E sorriem quando elas estão com os nervos em franja. Sorriem, sorriem tanto, que até irrita. Aliás, se as crianças fazem birras, depois de um fim-de-semana com os avós, não é tanto para perceberem quem manda mais, quando os pais e os avós estão uns ao pé dos outros. É que, sempre que os avós afiançam que as crianças se portaram de forma exemplar, os pais perdem o sorriso e ficam com tamanho ar de contrafacção que, por momentos, elas chegam a temer que o tempo de fadas-madrinha esteja a chegar ao fim e que, ao voltarem a casa, só sobem a Cruela e o Capitão Gancho...
Os avós fazem mal ao crescimento das crianças. Porque se vingam do tempo que não tiveram, enquanto pais, e parecem estar, agora, eternamente disponíveis. Porque permitem aos netos aquilo que nunca permitiram aos filhos. Porque perderam em austeridade tudo aquilo que ganharam em ternura. Porque tocam e porque abraçam os netos dez vezes mais (ou dez vez melhor) se compararmos os seus mimos para com os filhos. Porque amam de forma tão generosa, tão transparente e tão bonita que fazem com que os pais se enterneçam antes, ainda, de se indignarem, como filhos. E porque são, muitas vezes, mais sensatos e mais sábios que os próprios pais.
Os avós fazem mal ao crescimento das crianças. Porque as tratam por "minha querida" ou por "meu amor" e esse tom açucarado torna-se um vício. E tornam-nas raras, quando elas são, simplesmente... netas. E fazem-nas sentir o melhor do mundo para alguém - duma forma tão especial e tão preciosa - que, num dia destes, sempre que estiverem com os avós, as crianças ainda acreditam que é Natal.
Por tudo isto, os avós são perigosos para os pais. Porque os obrigam a ser mais amorosos, mais justos e mais atentos. E a ser pacientes e a sorrir. E os intimam a escutar com o coração. E a ser firmes, sábios mas serenos. E a ser bondosos, sempre, claro. Por tudo isto, os avós são uma ameaça para os pais. Sendo assim, pais de todo o mundo, uni-vos. E gritai: "Abaixo os avós. Já!"
Nós, as crianças, reclamamos que todos os pais sejam atentos e especiais, ternos e mágicos, adivinhões e brincadores. E que, por mais preciosos que eles façam por ser, exigimos que se tornem, sempre, melhores pais.
Recordamos que os estragamos com mimos (por mais que nunca ninguém nos tenha dado a hipótese de fazermos, em relação a eles, um test drive, antes de os escolhermos só para nós). E que, apesar disso, temos sobre os ombros a pesada tarefa (que nunca regateámos) de olhar pela sua formação. Aliás, se fazemos birras ou lamúrias, se repetimos (mil vezes) um “já vou” e, outras tantas, o “não sei” não é porque seja essa a nossa vontade: é pelo brio de não pouparmos, um minuto que seja, na sua educação. E, por mais que a nossa dedicação não tenha limites, se lhes fazemos, sem descanso, a maioria das vontades, acorremos aos seus pedidos, toleramos os seus amuos, condescendemos com as suas regras (mesmo que, muitas vezes, eles próprios as não cumpram) é porque os queremos poupar às reclamações, por mais que isso acabe por consumir grande parte da nossa energia. Vendo bem, é por isso, e só por isso, que não correspondemos a uma ou a outra coisa que nos exigem. Unicamente porque, sem que se apercebam, e ao contrário da maioria de nós – que (como eles reconhecem) não dá problemas – os pais dão muito trabalho.
Aliás, e a este propósito, peca por tardio o reconhecimento da nossa condição de estudantes-trabalhadores e a consideração, para efeitos das deduções de que nos sentimos credores, do nosso trabalho para a sua formação (que, ao mesmo tempo que estudamos, é uma tarefa que nos ocupa o tempo quase todo). E que, se muitos de nós, ao chegarem aos trabalhos de casa, já não têm cabeça para mais nada, não é porque não queiram. É que, se já os pais dão as preocupações que se sabe, quando eles se organizam, com os professores, numa confederação de patrões das nossas vontades (com que tentam interferir no nosso dever de indignação) só nos resta acenar com moções de censura a tudo o que nos exigem, que ameace o contrato colectivo que, desde sempre, as crianças têm com a Humanidade. Onde se inclui aprender um ofício, como o de brincador. O colo e o mimo, com dedicação, e sem limite de tempo (acumuláveis com outras... retribuições). O direito a ser o filho único de cada pai (ao menos, trinta minutos, uma vez por semana). O direito às histórias da vida dos pais, contadas com os olhos e com uma voz com alma (e não como quem, em vez de se perder num livro comovente, lê o Diário da República). E a horas extraordinárias de pai e de mãe, “pagas” com mais ternura. (E se, a título de prémio de produtividade, como filhos, não levantarmos a mesa nem fizermos a cama, nos forem levar e trazer à escola, e nos pespegarem beijos amassarem com abraços, que isso nos seja reconhecido, desde aí, como direitos adquiridos que passem, obrigatoriamente, a constar, para sempre, como adendas às retribuições que nós merecemos.)
Lembramos, no entanto, que (contra a nossa aspiração secular) não existe uma entidade reguladora atenta aos desempenhos dos nossos pais. E que esse papel, muito mais que o reclamarmos para nós, devia ser de todos os avós (diante do qual eles nunca deviam vacilar): repreendendo os nossos pais (de preferência, na nossa presença) e açucarando os seus gestos, mais de acordo com as nossas nobres intenções. Recomendamos, aliás, que, sempre que pais e avós não estejam de acordo em relação à nossa educação, se decrete (já agora, por muito tempo!) a fiscalização preventiva da competência de quem nos educa, durante a qual passem a vigorar as regras dos mais velhos (que, como se sabe, são uma espécie de conselho de senadores cuja opinião nunca se devia ignorar).
Por tudo isto (unicamente, como forma de protesto), apresentamos a presente moção de censura, de forma a que nos seja reconhecida legitimidade para termos direito a:
1. À semana de trabalho de 40 horas – incluindo nelas aulas, ateliês de tempos livres, música, catequese, computadores, futebol ou ballet, e trabalhos de casa – a partir das quais todas as crianças deviam acumular, num banco de horas, os créditos com os quais tenham direito a reclamar outro regime contributivo por parte dos pais;
2. A brincar, todos os dias, por tempo generoso, sem o qual nunca se aprende nem a crescer nem a pensar;
3. A ter histórias contadas da alma para os livros, com as quais se vista com palavras, com personagens e com enredos tudo o que se passa dentro em nós;
4. E a ter pais que recuperem a capacidade para voltarem a conviver com o indispensável - seja a sentarem-se no chão, quando conversam baixinho; fecharem os olhos, enquanto brincam à cabra cega; verem formas nas nuvens, quando rebolam na relva ou fazerem bolos de chocolate, ao domingo, só para raparem as formas (com o dedo), sem ninguém ver;
5. Pais que deixem de correr, para chegarem a muitos lados ao mesmo tempo; porque, por mais que corram, todos os quilómetros do mundo nunca hão-de chegar para a distância que o coração é capaz de percorrer, entre um “tenho medo!” e um “gosto de ti!” Pais que sejam atentos e especiais, ternos e mágicos, adivinhões e brincadores. E que, por mais preciosos que façam por ser, sejam, para sempre, melhores pais.
Eduardo Sá: “Os bons filhos são aqueles que nos trazem problemas”
“Hoje não vou à escola!”, quantas vezes já ouviu o seu filho dizer isto, logo pela manhã, acabado de sair da cama? No início de mais um ano letivo, o psicólogo clínico e psicanalista Eduardo Sá lança um livro cujo título toma emprestado o protesto infantil. A ideia é explicar que as crianças saudáveis são afoitas, curiosas e que, às vezes, não têm vontade de ir às aulas. “Hoje não vou à escola!“, da editora Lua de Papel, chega esta quinta-feira às livrarias.
Porque “a família é mais importante do que a escola e brincar é, pelo menos, tão importante como aprender”, Eduardo Sá fala dos excessos cometidos no ato de educar uma criança e aponta o dedo tanto a pais como a professores. Defende que, depois de um longo dia de trabalho, é obrigatório que a criança brinque (em vez de se lançar aos trabalhos de casa ditos “XXL”). E, antes de um pai exigir boas notas, deve ensinar ao filho valores como honestidade e humildade.
A crítica às escolas é clara, ao Ministério da Educação também: “Os diversos governos, desde há vários anos — e com todo o respeito — têm gozado com os pais. Fala-se de uma educação para todos e os jardins-de-infância conseguem ser mais caros do que as universidades privadas”. Mas também destaca os longos períodos de aulas e a pouca importância que é dada a disciplinas como educação física e musical. A solução passa, pois, por criar, em conjunto, um sistema educativo onde as crianças fujam para a escola em vez de fugir dela.
Mas o também professor da Universidade de Coimbra e do ISPA, além de autor de livros virados para a saúde familiar e educação parental, deixa ficar ainda o aviso: os pais não devem viver em função da agenda social dos filhos. A consequência pode resvalar para um divórcio a prestações, até porque o mais importante na vida, diz, são as relações pessoais. “Pais mal-amados, por melhores pessoas que sejam, são sempre piores pais”.
A escola é, como diz no livro, “o mundo secreto onde os nossos filhos habitam”. O que quer dizer com isso? Eu tenho medo que estejamos a fazer das crianças uma super produção dos pais, mais do que propriamente dar espaço para elas possam crescer. Preocupa-me, em primeiro lugar, que não tenhamos uma ideia precisa da mais-valia que representa o jardim de infância. Que os pais imaginem que se trata de uma espécie de atelier de tempos livres, das 9 às 17h, e não o vejam como instrumento indispensável a todo o crescimento: tem mais-valias a nível do corpo, da sensibilidade, da expressão… Um bom jardim-de-infância é meio caminho andado para uma escolaridade tranquila. Depois, as crianças não precisam de estar tanto tempo na escola para aprenderem. Mais tempo de escola não é, obrigatoriamente, melhor tempo. Pelo contrário, as crianças precisam de muito mais tempo de recreio. Crianças mais empanturradas em conhecimento são crianças que pensam menos. Temos de perceber o que queremos, efetivamente, da escola. Se queremos, ou não, uma linha de jovens tecnocratas de sucesso. Acho ótimo que possamos ir por aí, mas jovens assim não são pessoas singulares, são produtos normalizados. E era muito bom que as pessoas percebessem que aquilo que se fala aí pomposamente como mercado vai escolher as pessoas singulares, criativas.
Trata-se de conhecimento em detrimento do pensamento? Continuamos a favorecer um sistema educativo que premeia fundamentalmente os miúdos que repetem aos que recriam. É um bocado esquizofrénico, quase, porque nós castigamos os que copiam e premiamos os que repetem como se as duas coisas não fossem faces de uma mesma moeda. Temos de pensar muito bem que tipo de estratégia queremos para que as crianças, ao mesmo tempo que aprendem, sejam capazes de ser afirmativas e sensíveis. Depois, é fundamental que se perceba que a família é mais importante do que a escola e que brincar é, pelo menos, tão importante como aprender.
Que equilíbrio sugere entre brincar e trabalhar? A partir do momento em que as crianças chegam a casa, estão obrigadas a brincar. Brincar faz bem à saúde e é obrigatório brincar todos os dias. É natural que, se as crianças chegam tarde a casa, os pais queiram despachar os trabalhos e utilizem a fórmula “primeiro fazes os trabalhos de casa, depois brincas”. Devia ser ao contrário, porque assim descontraem.
Qual o papel do pai na aprendizagem de um filho? Os pais deviam ser a verdadeira entidade reguladora das escolas. Há pais que se anulam perante algumas atitudes muito pouco sensatas de professores, seja em relação aos trabalhos de casa, a comentários ou até estratégias pedagógicas. Não gosto de pais que se intrometem de forma abusiva na vida da escola, mas também parece grave que haja aqueles que se anulem. É importante que nós assumamos que a escola tem um tempo que deve ser gerido, no essencial, pelos professores e deve ter nos pais uma entidade reguladora fantástica. Depois, é preciso fazer o resto: porque à parte de todos aqueles tempos, para além do razoável, muitas vezes as crianças chegam a casa e ainda têm não sei quantas atividades extracurriculares; muitas têm trabalhos de casa em formato XXL.
É uma crítica tanto ao professor como ao pai? Também. Trabalhos de casa em formato XXL, que se fazem entre o banho e o jantar, já com as crianças muito cansadas…pergunto-me qual será a mais-valia ou o objetivo deles. A maior parte dos trabalhos de casa são uma forma rápida para que as crianças passem a ter um ódio de estimação pela escola. Não sou radicalmente contra os trabalhos de casa, mas era bom que o trabalho fosse ir ao supermercado com a mãe, ou com o pai, e fazer os trocos (e outras coisas do género). Ou seja, trazermos a escola da vida para dentro da escola. Acha que as crianças vão aprender com os trabalhos de casa aquilo que não aprenderam na escola?
Nestas circunstâncias, o que pode um pai exigir de um filho? O pai deve começar por exigir que o filho seja honesto e humilde, algo que, muitas vezes, não o faz. A humildade é uma coisa que faz muito bem à saúde, porque ajuda-nos a aprender com os erros. Tenho medo que estejamos a criar um mundo francamente batoteiro, que torna as crianças debilitadas em relação à frustração. Nós, às vezes, somos poucos tolerantes para com os erros das crianças e esquecemo-nos que errar é aprender. Depois de as crianças serem honestas e humildes, acho importante que elas sejam afoitas, mas que, ainda assim, estejam autorizadas a errar. Uma criança que não erra não é um bom aluno, é uma criança que se vai fragilizando à conta de boas notas.
O que seria, então, uma escola ideal? Não é preciso ser uma escola ideal. Uma escola onde as crianças tivessem, sobretudo, aulas de manhã, seria uma boa escola (somos animais com ritmos biológicos muito precisos e aprendemos em função deles; somos mais inteligentes de manhã do que a seguir à hora de almoço). Uma escola que tivesse, inevitavelmente, recreios maiores e onde a parte da tarde fosse preenchida com atividades que ajudem as crianças a serem expressivas, como educação física ou expressão dramática. Se as crianças não forem expressivas, não sabem pensar. É muito bom que as pessoas tenham noção disso, que vivemos num mundo estranho onde o número é mais credível do que a palavra; a nossa saúde mental depende do bom uso que fazemos da palavra.
Eu adoraria que nós fossemos capazes de, em conjunto, organizar um sistema educativo onde as crianças fugissem para a escola. Os diversos governos, desde há vários anos — e com todo o respeito — têm gozado com os pais. Fala-se de uma educação para todos e os jardins-de-infância conseguem ser mais caros do que as universidades privadas. E os livros, os livros, custarem aquilo que custam… Só governos que andam absolutamente distraídos face à realidade e que não têm noção do que é ter filhos entre os zero e os dez anos
Por que razão escreve que os bons filhos não são os que tiram melhores notas? As crianças saudáveis não têm 5 a tudo. Ao contrário do que os pais pensam, as crianças saudáveis são acutilantes, curiosas, têm a vista na ponta dos dedos e perguntam “porquê”. É tão estranho que as crianças, até entrarem nas escolas, estejam constantemente na idade dos “porquê” e, assim que entram, parecem sair precipitadamente dela — a escola devia ser quem mais incentiva o “porquê”. Os pais devem, no fundo, ter a noção de que as crianças saudáveis podem não perceber de uma matéria, gostar dela ou até não gostar de um professor. Eles não podem aceitar a ideia de que crianças saudáveis são as que têm sempre um comportamento irrepreensível. Isso não é razoável, nada na vida é assim. Os bons filhos são aqueles que nos trazem problemas, porque nós aprendemos à medida que os resolvemos. Às vezes, os pais parecem criar os filhos na expetativa que estes não lhes deem problemas — crianças que não o fazem são, invariavelmente, adultos infelizes. Não tenho nada contra os alunos que tiram boas notas, mas gostava que os pais fossem igualmente exigentes. Isto é, que quisessem muito que os filhos tivessem boas notas na escola, como filhos, como colegas, irmãos, netos…
Costumo dizer, tentando ser provocatório, que tornamo-nos pais com o segundo filho. Com o primeiro mistura-se tudo: a infância que tivemos e a que queríamos ter tido. Os filhos mais velhos passam sempre muito, porque, às vezes, os pais colocam expetativas exorbitantes sobre eles — mais parecem viver confinados a um guião. Se calhar não é por acaso que os filhos mais velhos são os “certinhos oficiais” de uma família e os mais novos são os rebeldes. Preocupa-me que não se dê espaço para ser-se filho e ser-se criança. É inquietante e estúpido. Crescer é uma receita razoavelmente simples: dar o mais possível de colo, um q.b de autoridade e o mais possível de autonomia.
As crianças estão cada vez menos autónomas? Sim, estão. E as crianças autónomas são expeditas, afoitas, sentem, pensam e fazem. Passividade e paixão não casam.
Os pais sofrem por antecipação pelo facto de os filhos irem para a escola? Sofrem, porque eles dão mais importância à escola do que esta merece. A escola é fantástica, mas os pais têm de perceber que é fantástica por vários motivos: pelo que se aprende nas aulas, no recreio e no caminho para a escola. Há pais que, cada vez mais, preferem que os filhos entrem na escolaridade obrigatória aos sete anos para que os meninos tenham mais um ano para serem crianças; acham que a infância acaba quando os filhos entram na escola, o que diz tudo. Portanto, as crianças saudáveis são aquelas que, às vezes, se levantam e dizem “hoje não vou à escola”.
Qual a importância da vida social para uma criança? Acho uma delícia quando os pais recomendam aos filhos (mais velhos) para ter cuidado com os namoros. Primeiro está o namoro e, depois, a escola. A vida ocupa espaço. Namorar é das coisas que ocupa mais tempo, bem como as relações de amizade; aquilo que é importante na vida são as relações pessoais. É ótimo que os pais deem importância à vida social dos filhos, mas que não se intrometam nela. É grave quando os pais, à custa da vida social dos filhos, não tenham fins de semana. Mais importante são as relações amorosas dos pais. A agenda social dos filhos ajuda a que, muitas vezes, estes se divorciem. E pais mal-amados, por melhores pessoas que sejam, são sempre piores pais.
Há pais que se anulam neste processo? Há. Claro que a fatura vem logo a seguir. Isto é como na política, nunca há almoços grátis. Há pais que prescindem de uma vida para serem unicamente pais. É um divórcio a prestações.
Voltando à sala de aula, o que é uma criança hiperativa? Acho que a Direção-Geral de Saúde devia fazer uma campanha pública porque parece existir uma epidemia atípica. Acho importante que constatemos as dificuldades das crianças, mas que não nos ponhamos a medicar com mão leve como se elas tivessem de ser irrepreensíveis. Uma criança com várias horas de aulas, poucas de recreio e pouca atividade física é seguramente mais distraída. Isso significa que ela tenha algum defeito ou que, na sua ingenuidade, os pais e os professores, pela má gestão que fazem, vão contribuindo para essa dificuldade? Preocupa-me muito que, em Portugal, as crianças tenham cada vez menos atividade física e preocupa-me ainda mais que haja ministros da Educação e ministérios que achem que a educação física seja uma disciplina de classe B, quando comparada com a matemática ou o português — não me choca nada que se possa reprovar o ano com negativa a educação musical e a educação física. Acho que estas pessoas não deviam ser ministros da Educação. O Ministério da Educação, nestas circunstâncias, devia fechar para balanço. As crianças que têm mais atividade física pensam melhor e são mais atentas. Há turmas em colégios de Lisboa em que se contam pelos dedos das mãos as crianças que não estão medicadas, como se isto não tivesse efeitos secundários.
Que tipo de consequências estamos a falar? Aquilo que parece uma mais-valia, a longo prazo é uma limitação.